quinta-feira, 27 de maio de 2010

Texto do blog: http://sublimesucubus.blogspot.com/

Honre o dom
Eu nunca vou entender o que leva um ser humano a ter um emprego meia-bomba a vida inteira. Aliás, pra mim só tem uma justificativa: a pessoa não gostar de mais nada no mundo e entre isso e não-se-sabe-o-quê vai isso mesmo. Eu entendo que em certas fases temos que passar por certas coisas. Mas a pessoa passar a vida num emprego chato, porque "se é trabalho é chato", não entendo.
Sobrevivência? Não. Existem mil maneiras de se sobreviver.
Acho que isso vem do meu pai, na verdade. Meu pai foi um cara pobre pobre pobre de marré marré marré marré. Meus avós vieram de Portugal no início do século XX - separados, só se conheceram aqui. Minha avó casou com 13 anos. Moravam no Morro do Tuiuti, em São Cristóvão, Zona Norte do Rio. Minha avó era lavadeira e fazia quentinha/marmita pra fora. Meu avô vendia quadros que ele pintava na feira hippie de Ipanema. Teve um bar - faliu. Teve um estúdio de fotografia - faliu. Meu avô ganhou duas vezes na loteria e perdeu os prêmios. Tiveram 13 filhos (desculpa quem já ouviu essa história um milhão de vezes, mas eu não me canso de repetir, pois sempre tem gente nova por aqui).
Meu pai era entregador de fruta de uma quitanda quando resolveu ser médico, após perder o irmão mais velho de meningite de forma estúpida e banal e ficar extremamente chocado e deprimido. Nunca ninguém na família dele tinha feito faculdade. Ele teve que trabalhar e estudar ao mesmo tempo. Começou a emagrecer, minha avó pedindo pra ele parar de estudar, porque ia ficar doente, a família zombando dele (ih, olha lá o doutorzinho) e ele keep walking. Passou no vestibular e tô eu aqui. Uma coisa que ele sempre, sempre, sempre frisou: minha filha, a gente tem que trabalhar no que gosta. Nunca vi meu pai reclamar de acordar às três da manhã pra ir ver paciente - ele era cirurgião.
Ok, a vida é complicada, a gente tem que se adaptar ao que gosta, todo emprego tem seu lado chato (TODO), mas...se a única razão do seu emprego é ter dinheiro pras horas em que você não está nele, tem alguma coisa errada com a sua vida. Meu pai dizia outra coisa que era: se é pra viver como pobre eu não preciso de dinheiro. Ele falava isso pra dizer que dinheiro foi feito pra gastar, mas eu penso também num outro sentido de pobreza. Se é pra você ter uma vida miserável no sentido de só pensar no final de semana, nas férias, em viajar...pra quê ter dinheiro? Tudo bem, fins de semana, férias, tudo isso é ótimo. Mas se ele vira o centro da sua vida...Não é mais fácil ter outra vida e ser feliz no dia a dia? Ou talvez abrir mão do carro X pra ter outro mais humilde - ou não ter? Ou levar mais tempo economizando pra se fazer o que quer? Ou viver de forma mais modesta?
Empregos-bosta dão câncer. Hipertensão. Depressão. Úlcera. Minha irmã é psicóloga e ela vive vendo este tipo de caso. Tenho amigos que trabalham com RH e dizem: salário não segura ninguém. Salário não é motivação. Motivação é um emprego bom. E o que é bom? Só cada um pode dizer.
Sabe grandes pesadelos da sua vida? Acho que todo mundo tem um grande pesadelo. Pra uns pode ser não ter filhos, pra outros se transformar na mãe/pai, pra outros ser pobre. O meu grande pesadelo, desde pequena, sempre foi ter um emprego chato. Talvez por isso eu tenha pirado tanto na época do vestibular - naquele momento eu achava que o que eu fizesse seria uma sentença pro resto da vida. Ao mesmo tempo, crescer foi encarar que a vida nem sempre parece uma festa e que a galera da pesada curtindo muito em clima de azaração uma hora casa, morre de acidente, fica careca ou desaparece. E aí, maluco...aí é você e você. No final das contas é só você e você. Sempre. Há momentos de tédio, ok, e é preciso encará-los como parte. Mas o trabalho é mais da metade da sua vida. Se ele é uma merda, quer dizer que mais da metade da sua vida é uma merda.
Minha irmã com 32 anos foi fazer outra faculdade. Corria, apertava daqui, dali, pegava dinheiro aqui e ali, trabalhava. Minha família toda é repleta de exemplos desse tipo. Então, não venha me dizer que o seu emprego é chato, mas você precisa dele. Diga: meu emprego é chato e eu não tenho coragem de peitar uma mudança. Meu emprego é chato e eu não sei o que fazer da vida, por isso vou ficando. Meu emprego é chato, mas eu não sirvo pra mais nada.
Ainda hoje tava lendo uma crônica da Elisa Lucinda (oi Maria!) em um jornal aqui da cidade em que ela se convidou pra escrever. Ela diz que a mãe dela dizia: "honre o dom". É isso, cara. Honre o seu dom. Saiba pro que você nasceu e corra atrás. Diria mamãe: tá na bíblia, é a parábola dos talentos. A Elisa diz ainda que o dom (eu prefiro vocação, pois dom me dá ideia de algo nato e não acredito nisso) é um riacho que corre dentro de você. Se você não canaliza isso, a infiltração vai pra outras partes. E dá merda. Em algum sentido a merda vem.
Se não nasceu pra nada, invente - porque eu acredito que o dom é inventado, ninguém nasce pronto. Adapte aqui e ali. Mas não fique num emprego meia bomba ou péssimo. Não tô dizendo pra ninguém sair jogando tudo pro alto. Se planeje. Espere o momento certo. Só não me venha de chorumelas. Dizendo que a vida é assim, a vida te levou até aí, você não pode mais sair. Sempre dá. Sempre. Não deposite sua felicidade em coisas fora de você.
Ah, e você faz isso, Carrie? Faço leitor. Tá tudo aqui (bate na cabeça com o dedinho) planejado na minha cacholinha. Tá por muito pouco pra tudo ficar como eu quero. E quando eu tô quase esquecendo eu olho no espelho e falo: "quê isso, Carrie! Vamos lá! Olho de Tigre, garota!". Acho que agora vou incorporar o "honre o seu dom" ao meu discurso.
Meu sonho é sonhar com a segunda feira. É pensar: nossa, hoje é sábado? Nem vi. É acordar e pensar: hoje é domingo ou quarta? Eternos sábados pra todos. É o que eu desejo.
E esse post é mais pra mim do que pra qualquer pessoa. Porque eu preciso me manter na trilha. Preciso me lembrar do que é importante pra mim e não o que é importante pros outros. O que é importante pra mim é isso. E eu vou fazer o que precisar pra chegar lá, até eu ter conseguido. E se acaso esse lugar me fugir eu vou em busca dele novamente. É minha única ambição de vida: viver segundo mim mesma.
Ficou meio épico e grandioso esse texto, mas é isso. Quando eu morrer, daqui a muuuitos e muuuuitos anos quero olhar pra trás e pensar que eu tentei tudo que queria tentar. Em algumas coisas tive fracasso, em outras não, mas não me acovardei. Meu maior medo é me acovardar. Quero tentar, ainda que com medo, ainda sem a menor noção de onde vai dar. Mas tentar.

Escrito por Carrie.

Amei esse texto me fez pensar muito. ;)

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